Sem fronteiras, traduza aqui! Translate here!

terça-feira, 28 de abril de 2020

O IMPACTO DA REPRESENTATIVIDADE

Até o Ensino Médio por estudar em escola pública nas minhas classes a questão da cor da pele parecia normal havia eu, mais algumas pessoas morenas, mais outras pretas (aprendi com o Babu e vou usar), quando passei  para o colégio Técnico na minha sala era eu mais umas duas pessoas de pele morena e pele preta não me recordo de ninguém, na faculdade na minha classe era eu e outras poucas pessoas morenas e uma pessoa preta, no MBA era eu de pele morena e uma pessoa de pele preta... Na minha infância das artistas dos baixinhos a que mais saiu do estereótipo da época era a Mara Maravilha, Xuxa, Angélica, Eliana, e as grandes apresentadoras Hebe, Ana Maria Braga, Marília Gabriela, Claudete Troiano, eram loiras, Kátia Fonseca veio depois assim como a Mara Maravilha que quebrou um pouco do estereótipo da loira, padrão esse desde a época da Marilyn Monroe...
Uma das apresentadoras que eu mais amava era a Xuxa, e o sonho de "toda" menina na minha época era ser paquita (uma vez falei isso num treinamento e todo mundo riu ahaha mas o assunto é muito sério) eu sou morena com descêndencia índigena e o padrão para ser paquita era loira, todas loiras, como acham que eu e muitas crianças nos sentíamos na época? Limitadas, sentíamos que nosso sonho não era possível ser realizado, lembro até hoje quando a Karen (chaveirinho) fez parte do time, meus olhos brilharam além de achar ela linda ela era "morena", os cabelos eram pretos como os meus, e foi a maior identificação pra mim ali, e depois veio a Adriana Bombom, que apesar de não ter sido paquita, foi um auge ela fazer parte do programa, eu tenho 32 anos e ainda lembro disso, acho que a Xuxa nem tem idéia de como isso impactou na vida de tantas crianças, mesmo porque ela nos deu tantas alegrias, mas queria eu ter vivido nessa época com um time de paquitas diverso, com a esperança que eu também poderia ser uma...
Eu amava a Ana Paula Padrão e a Fátima Bernardes, porque também eram mulheres fortes, inteligentes, e "morenas" numa profissão que eu quis um dia ser, jornalista, mas a minha pele não era branca como a delas, Glória Maria então pra mim era o máximo, porque além de ao meu ver ser uma baita profissional, que eu tanto admiro, eu fico imaginando o quanto de coisas ela teve que enfrentar... O que não é a Taís Araújo pras mulheres pretas, e pra todo o Brasil, uma das poucas e se não estou errada a pioneira em ser protagonista de novela sem fazer papel de empregada doméstica, porque a vida toda assistimos nas novelas a mulher negra sendo representada apenas em profissões mais simples, ou apenas mostradas pelo samba mas não pelo apelo artístico e sim sendo vulgarizadas pelo teor de sexualidade...
Eu nunca esqueço quando minhas amigas de infãncia pretas brincavam com toalha na cabeça, como se fossem seus cabelos, porque elas queriam sentir o movimento do cabelo, e sentir o cabelo grande, elas passavam ferro no cabelo para alisá-los, era de cortar o coração, mas porque elas faziam isso, porque ninguém a uns anos atrás olhava para a necessidade da mulher preta, a necessidade de se sentir bem, de ter produtos que também as representassem, não tinha creme, não tinha chapinha, não tinha maquiagem, porque "para que vamos olhar para elas não é, afinal, a maioria é empregada doméstica?" certamente era assim que a indústria pensava... Quantas mulheres pretas não ouviram xingamentos, piadas, e ouvem até hoje, hoje finalmente, elas podem usar seus cabelos como são, sem se sentir inferior por isso, e podem encontrar produtos, não o suficiente mas ainda há esperança...
Essa semana vi a Zoe filha da Sabrina Sato brincando com um boneco de cor preta, e eu achei o máximo, e passaram mil reflexões a minha mente, primeiro porque antes não existia, hoje tem mas nem todos compram, afinal, pais com filhos brancos para que vão comprar bonecos pretos, podem pensar, e eis que aquela cena da Zoe da uma lição de que é preciso mostrar para a criança que há diversas cores, que ela pode brincar com alguém que não seja da mesma cor dela, e com isso ela não vai segregar, nem achar diferente quando crescer, mas esses bonecos tem um impacto gigante na vida de uma criança negra ela olha para prateleira e se vê ali, ela sente que ela também pertence a sociedade, que ela tem os mesmos direitos...
Quando uma criança preta vê a Iza a Ludmilla ela se reconhece, ela sente que ela também pode, porque na nossa geração a Christina Aguilera, a Britney, entre tantas outras seguiam o mesmo padrão, loira, por que as Spice Girls fizeram tanto sucesso? Porque tinha a loira, a ruiva, a preta, a morena, diversos estilos, e aquilo nos aproximava... Quando a Maju vai para uma bancada de tanta relevância sem alisar o cabelo, a menina preta olha pra ela e se vê no futuro. Quando um menino preto vê o Rafael Zulu na novela, vê o David Junior fazendo um protagonista na novela, ele sente que pode... e isso só quem é preto, moreno entende, só quem viveu ou vive essa dor sabe o quanto é importante se ver lá...
Quantas vezes você foi atendido por um médico ou uma médica pretos? É raro, por que? Porque tem milhares de anos de história que impediram o preto de ler e escrever, de votar, de estudar, de andar por onde quisesse, de ser quem quisesse ser... Por que a sociedade se assusta quando um médico preto vem lhe atender assim como se assusta quando um menino preto o aborda na rua só para pedir informação? Porque a gente ainda precisa tratar essa questão, a gente precisa encurtar essa lacuna social, esse abismo que foi criado entre a população preta e a branca, e não é fazendo o mesmo, não é discriminando o branco e achando que ele é culpado, e achando que o branco rico é mau, é empregando pretos também para os diversos papéis da sociedade, é deixando o preconceito de lado, mas aceitando que o racismo precisa ser discutido e precisa ser abominado, é falando para uma criança preta que ela pode ser uma Maju, uma Taís, uma Iza e principalmente uma Thelma, que ela pode o que ela quiser, menos ser impedida de ser qualquer coisa por causa da cor de sua pele.
Quem é branco pode começar a ler tudo isso que eu escrevi e achar uma grande bobagem, mas não  é, nem nunca vai ser, empatia não é um termo bonito que se usa e não se pratica, não adianta dizer que se coloca no lugar do outro e quando se fala em racismo falar que é mimimi, a gente não precisa sentir a dor do outro para respeitar e estar junto, mas entender a dor do outro é o suficiente para a gente se colocar no lugar, para a gente não tolerar comportamento preconceituoso, e pra gente chorar junto quando uma Thelma vence, quando ela vence ela reforça que valeu a pena a luta de Martin Luther King, de Mandela, quando ela vence ela diz para uma poupulação inteira pra ter esperança na humanidade, quando ela vence ela diz pra milhões de crianças pretas, adultos pretos, vai você também pode, não vai ser fácil, você ainda vai enfrentar muita coisa, mas alguém precisa trilhar esse caminho para outras saberem que é possível, quando ela vence ela diz para a mãe dela aquela guerreira que falou que acreditava nela quando ninguém acreditava, que o lema que ela ensinou a vida toda valeu a pena: querer, poder, e vencer.
Que um dia a gente não precise mais enaltecer isso, porque não haverá discrepância, pois a igualdade realmente será o normal e o natural.

Carina Silva
@carinamelhoresempre




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Se a vontade bater em sua porta comente!